22.2.06

Perdi as Asas

Sonhei que estava caindo.
O frio na barriga ia se transformando na sensação de vazio e, aos poucos, aquela situação começava a parecer estranha. Não era possível cair por tanto tempo. Mas em vez de isso me tranqüilizar, eu comecei a ficar aterrorizada. E a sensação de vazio ia aos poucos sendo ocupada por milhares de pensamentos confusos, como se eles também estivessem em queda na minha mente, embaralhados, sem nenhuma ordem lógica.
A possibilidade de tudo ser um sonho passou pela cabeça, mas a despedida de pessoas queridas também. E a idéia de que uma piscina gigante esperava por mim no fim da queda infinita chegou a me animar. Eu até me vi de maiô. Mas logo tudo parecia escuro e cinza e eu concluí que aquele não era um dia bom para nadar. Então o nervoso tomou conta de mim novamente. E o mais estranho de tudo é que a queda era leve. Eu não me debatia, eu quase não me mexia. Só caía. Foi aí que a idéia de que aquilo era mesmo um sonho chegou novamente. Forte. Quase como uma certeza. E tudo que eu pensava era “quero acordar”, “vou acordar assustada”.
Nada de aproveitar o momento e realizar o grande sonho da humanidade, se é que se pode realizar um sonho num sonho: voar. Mesmo que em sonho, em nenhum momento parei de cair e comecei a flutuar. Não sei se porque isso já está intrínseco em minha mente (o fato de que não podemos efetivamente voar) ou porque eu sou desligada demais, até em sonho, e nem lembrei que naquela hora eu poderia até convidar Santos Dumont lá do além para dar um passeio nas alturas, sem nenhuma máquina dando sustentação. Vai saber o que se passa na nossa cabeça enquanto sonhamos.
E depois de acordada, pensando nisso tudo, eu acabei lembrando que eu já ouvi várias pessoas dizerem que já sonharam estar voando, mas comigo isso nunca aconteceu. Não me lembro de ter sonhado que estava voando. Claro que pode ser que eu já tenha sonhado e quando acordei e tentei lembrar do sonho veio aquela imagem preta, profunda, que vem sempre que a gente não lembra o que sonhou. Não importa.
Hoje percebi que não tenho assas. Nem mesmo em sonho. Talvez para a Poliana isso seja bom para eu finalmente deixar de ser avoada. (Nossa, que trocadilho fabuloso! Digno de qualquer medíocre que acha que escreve alguma coisa.). Um verdadeiro sinal de que as coisas não caem (!) no nosso colo. Para mim, isso é triste. Perdi as asas que achava que tinha. Que achava que iam se abrir quando eu estivesse no topo de um penhasco, observando o mundo e sentindo o gosto de ser do mundo.
Mas eu sou teimosa. Perdi as asas, mas ainda tenho o sonho. E se me tirarem o sonho, eu arrumo outra coisa.


23 de fevereiro
- (1989) É criado o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama).
- (2004) Vai ao ar o último episódio do seriado Sex and The City.