29.12.08

Saudade

Estou triste. Mal você colocou um ponto final nessa história e já sinto saudades.
Sinta falta de deitar com você na cama e ficar brigando contra o sono, só pra poder aproveitar um pouquinho mais a sua companhia. Não sei como vou ficar agora sem suas palavras, mesmo as amargas.

Eu sei que a culpa é minha, que fui rápido demais e que por isso esse fim chegou assim, de repente, me deixando parada, de boca aberta. E o pior é que quanto mais rápido eu mergulhava nessa nossa relação, mais próximo eu via o fim, mas eu não podia parar. Não naqueles momentos tão mágicos, tão íntimos, em que eu degustava cada pedacinho seu, saboreando cada detalhe seu com verdadeira fome.

Você pode dizer que outros virão e me deixarão tão ou até mais feliz que você. Outros me farão chorar. Tantos outros vão passar pela minha vida e me deixar marcada. E eu sei tudo isso. Ainda agora, enquanto choro nosso fim, já procuro outro para o seu lugar.

Não me critique por isso, por favor. Você é único, e sempre será especial. Nunca vou esquecer tudo que vivemos, mas você sabe que eu não sei ficar sozinha. Por isso vou até a estante me jogar nas páginas de outro.

Odeio quando isso acontece, e isso sempre acontece quando acabo um bom livro.

11.12.08

Química

Eu olhei para o céu e vi centenas, milhares de pára-quedas de celofane azul. Imensos, abertos. Mas eles não caíam, apenas flutuavam suavemente.

E conforme eu me perdia nessa dança azul, um gosto adocicado tomou conta da minha boca. Um gosto que me fez fechar os olhos para que eu pudesse sentir melhor e ser completamente só daquele gosto. Pertencer a ele. Um gosto delicadamente doce que começou a pinicar a sola do meu pé levemente, e que puxava os cantos da minha boca em direção às orelhas.

Mesmo que eu não quisesse, meus lábios se esticavam até as bochechas. Mas o caso é que não tinha querer ou não querer. A pinicação no pé começava a virar cosquinha (diminutivo carinhoso de cócegas, para quem não sabe) e o estômago gelava e se contraía, me fazendo rir incontrolavelmente.

Depois de ficar quase sem ar, aos poucos meu coração foi se acalmando, a respiração desacelerando. Minha pele estava gelada e o ar em volta de mim ficou quente, tão quente que senti um cheiro seco, vermelho, me sufocando. E aquele ar quente e vermelho era denso, tão denso que eu não tinha força de puxar para dentro do pulmão.

Os olhos foram escurecendo, escurecendo, e um medo angustiante deixou vazio tudo que tinha dentro de mim, como se minha alma estivesse aos poucos se desgrudando do meu corpo. E tudo ficou preto e gelado tão rápido que minha cabeça rodou, rodou, até que vi uns pontinhos brilhando no meio da escuridão.

Então percebi que havia anoitecido e as estrelas olhavam para mim. Todas elas observavam cada movimento meu, por menor que fosse.

O único movimento que fiz foi abrir os braços olhando para elas, para sentir aquele abraço protetor de veludo preto brilhante que me fazia a pessoa mais livre do mundo. Livre para ser eu mesma, para sempre.

Não, não é vício, é só a química. A química que existe entre nós.

11.11.08

Fim



Enquanto ela dorme tranqüila, ele silenciosamente pega umas camisetas, umas cuecas e o desodorante, que ele nunca esquece, e enfia na mochila. Parecia pequena a parte dele naquele apartamento, tão pequena que cabia numa mochila. Depois de 3 anos morando com alguém que sabe fazer tudo melhor que qualquer um, ele não se lembrava mais como era fazer uma mala.

Fechou a porta do quarto sem fazer barulho e sem nem mesmo olhar para o corpo dela esparramado na cama. Não porque estava bravo nem por medo de desistir. Não olhava porque simplesmente já não se importava.

Eram três horas, e ele estava sem sono. Abriu a porta do apartamento, colocou a chave na mesinha da entrada e fechou sem trancar, para não ter que levar a chave. Arrumou a mochila nas costas, desceu o elevador em silêncio, com a cabeça cheia de um monte de pensamentos ao mesmo tempo, mas nada muito claro.

Passou pelo porteiro, que dormia profundamente debruçado na mesa, e saiu. Desceu a pé a rua escura. Mais ninguém andava por ali. Depois de algumas quadras, virou a esquina em direção ao mundo, sumindo dessa história.

Naquele domingo, ela acordou tarde, passou a mão pelo colchão e não achou ninguém.

Viu a hora e foi para a sala ver o que ele estava assistindo na TV, mas o apartamento estava vazio. Uma sensação estranha apareceu na garganta e um frio tomou conta do peito, mas um sorriso meio bobo não queria deixar que ela visse o que estava acontecendo. Ela pegou o celular e ligou. Tocou, tocou e ninguém atendeu. Ela insistiu mais algumas vezes e desistiu. O olhar vago, perdido, procurava uma direção.

Ela sabia que isso ia acontecer. Não sabia quando, mas sabia exatamente por quê. Ele era calmo, eles nunca tinham brigado e ela abusava disso. Fazia o que queria, sem pedir licença ou desculpa, mesmo prevendo que esse seria o resultado, ora porque se esquecia, ora para aproveitar ao máximo tudo de bom que estava acontecendo.

E agora ela estava ali, sentada no sofá, olhando para o apartamento que já tinha sido só dela e depois, por 3 anos, foi o lugar dele, com as coisas dele, que ela fazia para ele, que ele ajudou a escolher, onde ele andava de cueca mesmo quando a janela estava aberta.

Ali ela ficou sentada, olhando o mundo para onde ele tinha ido sem conseguir enxergar nada claramente, quieta, até sumir no amargo da dor.

16.10.08

Nosso último encontro

Bem na frente dela estava um lugar bonito. Um campo verde, com uma montanha ao fundo, algumas árvores, algumas flores. Predominava o verde, mas tinha umas pinceladas de marrom nos galhos e troncos, e outras coloridas, pequenas, delicadas. Delicadas como ela.
O céu era uma mistura cuidadosa de vários tons de azul com um pouco de branco, iluminado. Tinha um cheiro de tranqüilidade que a fazia respirar fundo, como se aquele cheiro fosse acabar. Não ia. Nunca mais.
Ali, uns velhos conhecidos que havia tempo que ela não encontrava a chamavam para matar a saudade. E ela se preparava calmamente para ir encontrar com eles. E eu, egoísta que sou, não queria que ela fosse. Queria que ela ficasse ali, comigo.
Mas ela ia. Pedi para me levar junto, então. Ela disse que um dia levaria, mas não naquele dia.
E eu pedi para ela não ir. Pedi tanto que ela ficasse mais um pouco.
Mas ela já tinha ficado bastante. E acho até que ela já tinha cansado de ficar.
E aquele lugar pra onde ela ia era lindo, uma verdadeira pintura. E ela gostava tanto de pintura que não podia deixar de ir.
E eu sabia que ela ia e não consegui segurar nenhuma lágrima sequer. Eu sabia que ela não voltaria, que eu morreria de saudade, e que nada ia ser igual a antes porque ela tinha mudado minha vida. E estava mudando de novo.
Ela foi para a pintura. Eu ainda estou no cinza.

26.8.08

Descoberta

E a menina de quatro anos chegou correndo, esbaforida, com uma cara assustada de quem tinha acabado de descobrir o mais incrível e impensável segredo de nossa existência. Um segredo quase indizível, mas tão claro que era praticamente impossível não ser certo. A verdade absoluta, nua e crua, por mais absurda que pudesse parecer.
- Mãe, descobri uma coisa...
Pausa para uma respiração profunda, um arregalar de olhos e a certeza indiscutível.
- A gente tem uma caveira dentro da gente!

18.8.08

Num instante

Então é assim que tudo se acaba. De repente.

Não importa quanto tempo já tenha se passado, quanto sofrimento já se tenha agüentado, quão forte a gente seja. Tudo acaba em um único instante.

É. E, de repente, não é mais.

Bem ali, diante dos nossos olhos. Que se abrem incrédulos para ver se enxergamos um sentido nisso tudo, mas a pupila dilatada deixa a realidade turva. Ou talvez mais clara. Talvez a realidade seja assim mesmo, mais dura do que costumamos ver no dia-a-dia.
Talvez a correria do dia-a-dia amacie nossa percepção do mundo. A falta de tempo deve ser um truque para que a gente não pare, não pense e não viva em função deste único instante.

Porque, afinal de contas, é um instante tão rápido que não devia guiar nossas vidas. Mas ao mesmo tempo tão impiedosamente definitivo que quando ele vem é como um balde de água fria nos acordando de um sonho.

E esse único instante é seguido de um longo tempo indeterminado que tem como função maltratar a memória e sufocar qualquer sorriso. Um tempo cheio de perguntas sem resposta, cheio de vazio.

Quando será que isso vai passar? Quando a gente vai acordar? Quando será que vai chegar outro instante e nos derrubar? Quantos desses instantes a gente pode agüentar?

E aí nos vêem também aquelas perguntas que costumamos evitar e que esses instantes trazem à tona: Estou no caminho certo? Ou pior: estou no caminho que eu quero?

Não sei. Só sei que esse caminho vai acabar num único instante.

11.8.08

Eu quero ficar sozinha

Cansei das pessoas. Das que estão sempre certas e as que nunca conseguem acertar.

Enjoei de todo mundo que acha que pode tudo e de quem não pode fazer nada.

Meu saco encheu de tanta gente cheia de opinião, de gente que se acha louca, de gente que se acha ponderada, de gente que acha que só os seus defeitos são apontados e de gente que acha que todos os defeitos apontados são dos outros. De quem se acha o umbigo do mundo e de quem não se enxerga.

Estou entediada com tantas vozes, tantas regras, tanta educação e tanta falta dela.

Não agüento mais essas caras de tédio me cercando. E aquelas outras caras de feliz. E aquelas caras de bunda.

Cansei de todo mundo, quero ficar sozinha, porque as pessoas me irritam. As pessoas que têm um discurso politicamente correto e uma vida imoral me irritam. Todo mundo que sabe mais do que todo mundo me irrita.

Até esse texto sem propósito nenhum, a não ser gritar que todo mundo enche o meu saco, me irrita.

Chega por hoje. Ainda é segunda-feira, mas eu estou indo embora.

29.7.08

Um dia...

Outro dia eu saí mais tarde do trabalho, às 21h. Quer dizer, como eu saio todo dia mais tarde, era horário normal de eu sair, mas mais tarde do que deveria.

E ia voltando a pé para casa, não por gostar de fazer exercício ou querer levar uma vida saudável no pouco tempo livre que me resta, mas simplesmente porque é perto demais para usar o carro, quando de repente um sujeito estranho, com a mão debaixo da blusa, me parou e disse para eu passar tudo que eu tivesse na bolsa, discretamente para ninguém perceber.

Em frações de segundo, eu fui da perplexidade de ser assaltada em plena luz de uma das avenidas mais movimentadas da cidade, a não mais que 100 metros de um ponto de ônibus cheio de gente, à completa indignação. E do alto da minha irritação, sem nem pensar em segurança, eu olhei bem pra cara do desgraçado que estava na minha frente e disse, com minha voz que não é baixa:
- Meu amigo, você acha mesmo que vai levar alguma coisa de dentro da minha bolsa?

Percebi que ele ficou meio perdido. Acho que ele pensou que eu ia ficar apavorada, talvez até esperasse que eu tentasse sair correndo. Mas nunca tinha lhe ocorrido a possibilidade de eu estar vivendo um dia de fúria.

Não dei tempo para ele se recuperar da surpresa.
- O que você acha que eu estou fazendo a essa hora na rua? Com essa cara de acabada, com roupa de escritório? Eu estava trabalhando! Faz 13 horas que eu estou enfurnada num escritório. 13 hooooras! Ontem foram de-zes-se-te horas. Você acha mesmo que eu tenho tanta grana que valha a pena me assaltar? Não, meu amigo! O máximo que eu tenho é cansaço e um calhamaço de serviço que eu ainda tô levando pra casa, pra ver se hoje eu pelo menos consigo passar roupa pra ter com quê ir trabalhar mais amanhã.

O cara estava parado, perplexo. Não parecia entender o que estava acontecendo. Foi abaixando a mão vazia que estava por baixo da camiseta e tentou até se desculpar, mas eu não deixei. Ele tinha que ouvir aquilo.

- Quanto você já levou essa noite assaltando quem passa? Quanto? Provavelmente mais do que eu no dia inteiro. Eu é que devia assaltar você.

Concluído meu rompante, saí andando. Passei pelo tal rapaz pisando firme, bufando, com cara de brava. Ah, tenha dó! Vai assaltar a puta que pariu!

Então eu ouvi alguém andando atrás de mim e falando, com um tom de receio:
- Moça... Ei, moça...

Agora a surpresa era minha. Aquele desgraçado que tinha acabado de tentar me assaltar e levado uma puta desabafada na cara, ainda tinha a pachorra de vir falar comigo.
Virei com cara de sono e grunhi um “hã”.

E ele, todo cuidadoso, perguntou se eu não queria tomar uma cerveja num bar perto dali. Por coincidência, um bar que eu costumo ir com alguns amigos. Pensei que esse filho da mãe até que era gente boa, e acho que minha expressão denunciou meu pensamento, porque ele emendou, sorrindo:
- Cerveja é a melhor coisa pra quando a gente tá puto da vida.

Simpático o rapaz. Comecei a achar que talvez ele tivesse razão e resolvi ir andando até o bar, sem responder pra ele, pra não dar o braço a torcer. Mas ele entendeu, sorriu de novo e veio andando meio correndo até chegar do meu lado.

No caminho não falamos nada, mas no bar ele me disse que tinha saído do emprego àquela hora também e estava cansado daquela ladainha de chegar em casa só para dormir, e não dormir direito, e acordar perdendo hora, e trabalhar de novo, e pagar academia sem fazer uma aula... E que aquele seria seu primeiro assalto. Então, concluiu morrendo de rir, que tudo era tão ridículo que mesmo quando ele chegou ao ponto máximo do absurdo e resolveu tentar assaltar a primeira pessoa que passasse pela frente, não deu certo. Nem aquilo dava certo! E ele estava aliviado por isso.

E eu concluí que, na minha existência tão ridícula quanto à dele, nem mesmo quando eu chego ao máximo do absurdo e enfio o dedo na cara de um palhaço que está querendo me assaltar, eu mudo alguma coisa no mundo. Mas eu também estava aliviada por não ter falado tudo aqui para quem merecia, mais não ia ouvir.

E assim tomamos algumas cervejas, rimos, e fomos embora, cada um pro seu lado, se sentindo meio idiota, mas com uma leve sensação de desabafo e um pouco das mágoas afogadas na mesa do bar.

22.7.08

Menu

Nada desce melhor, depois de um longo dia de trabalho, que uma cervejinha.
Para a ansiedade, a sugestão do chef é chocolate.
Com a pressão do dia-a-dia vão bem balas, café e chicletes.
Se a pressão aumentar, algumas trufas podem incrementar o cardápio.
E elas podem ter recheio de cereja, morango, maracujá ou nozes.
Para as noites de trabalho, pizza.
Para as madrugadas de trabalho, bolacha.
Depois de uma discussão, batatinha.
Na hora de afogar as mágoas, caipirinha, sem dúvida! E não só uma.
O tira-gosto ideal para preparar o estômago para a preocupação são as porções.
Porção de queijo, azeitona, salaminho e croquete.
E se o prato principal for um sapo, uma boa sobremesa pode ser um pote de sorvete.
E assim a gente vai dando sabor ao que a vida nos reserva, sem a preocupação de reservar vida para outros sabores que podem aparecer.

14.7.08

Só mais um dia

O dia começou cedo, às 4h37, quando ela acordou pensando naquele trabalho que não tinha conseguido terminar no dia anterior, mesmo tendo ficado no escritório até depois da meia noite. E o pior é que as 3 últimas semanas tinham sido assim.

Era tanta coisa que ela nem se lembrava mais do que tinha passado por suas mãos. Só se lembrava do café horroroso, coado logo cedo e deixado naquela garrafa térmica gigante o dia inteiro, e que ela tomava aos copos, o dia todo, entre as reclamações do estômago que já não agüentava mais.

E ela pensava que precisava dormir porque quando acordasse teria que terminar aquele trabalho interminável, e quanto mais ela pensava que precisava dormir mais o trabalho crescia. E conforme o trabalho crescia, aumentava a dor de estômago só de pensar que, sem dormir direito, ela teria que se valer daquele café horrível de novo, o dia inteiro de novo. E a cama começava a fica pequena, e os carros na rua já faziam muito barulho. E por um momento uma questão quase filosófica afastou o trabalho de sua cabeça: Carros na rua? Às 5h da manhã? Pelo amor de Deus, quem anda de carro às 5 da manhã no meio da semana? E nessa hora ela pensa: “Ainda bem que eu só entro às 8h. E ainda tenho sábado e domingo de folga.” E é esse pensamento que a embala para suas últimas duas horinhas de sono daquela noite.

Quando o despertador toca, o primeiro sentimento do dia é a raiva. Raiva por não ter dormido durante todo aquele tempo no meio da noite em que ficou, improdutivamente, pensando em tudo que ela tinha que fazer agora que queria dormir mais. E depois da raiva um suspiro a empurra pra fora da cama, e ela quase rasteja até o banheiro pensado-se a mais completa e resignada idiota do mundo.

E, apesar de o dia se arrastar, o relógio parece acelerar, e com cafés e suspiros, e até algumas boas idéias, ela oscila entre o sorriso de quem acabou de ler um livro de auto-ajuda e aquele outro sorriso de quem descobre que o segredo da vida é simplesmente a desilusão. E um outro sorriso ainda aparece em seu rosto quando ela pensa que engraçado seria se ela se levantasse e fosse embora, assim, sem dizer uma palavra. Esse sorriso se alarga quando ela percebe o poder que tem. Quando nota que ela, sim, é que está acima disso tudo por perceber que tudo isso a sua volta é superficial, que o que vale mesmo é o que ela pensa, o que sabe, o que leva dentro de si. E o que tem dentro de si é muito maior do que aquilo que as pessoas comuns vêem, do que o que as outras pessoas desejam. Nossa, como ela é maior que tudo isso!

Triunfante com sua aguçada percepção, ela se levanta a vai pegar mais um café para continuar o seu trabalho. Trabalho que parece simples, mas só aos olhos de quem é leigo, que não percebe as sutilezas do dia-a-dia, o refinamento que ela empresta às coisas banais, a delicadeza com que compõe cada traço. E assim passa a desenhar seus próximos traços, porque seu trabalho é muito mais que um simples trabalho. É quase uma arte. E mais arte ainda porque não é simplesmente deixar fluir a inspiração, é fazer tudo que ela sabe dentro dos prazos, de acordo com os pedidos.

E é exatamente isso que ela vai fazer mais uma vez até de madrugada, tomando café, antes de ir dormir e acordar pensando em tudo que vai ter que fazer no dia seguinte de novo: um trabalho que ela desenvolve como ninguém, e, no fim das contas, ela sabe, para ninguém.

7.7.08

Personalidade

Eu gosto das coisas assim:
Preto no branco.
Especialmente se for foto, que fica mais bonito.
Mas se for texto, pode ser colorido.

Eu gosto de adoçante no café.
Mas só duas gotas, pra não ficar amargo.
De vez em quando pode ser açúcar.
E também fica bom com rapadura.

Eu adoro um bom drama.
Pra assistir e pra fazer.
Mas também sou boba e rio de tudo.
Acho que ainda não sei meu lugar no mundo.

Eu tenho medo de ficar sozinha.
De bicho, de escuro, de ET, de tudo.
Tenho medo mesmo de perder que eu amo.
E acho que isso vai aumentando com os anos.

Eu queria ser mãe.
Engordar, parir, acordar de madrugada.
Pensando bem, é tudo mentira.
Eu gosto mesmo é de ser filha.

Eu quero é ir embora.
Morar em lugares diferentes.
Mas só de pensar já dá saudade.
E fica no sonho cada viagem.

Todo dia eu acordo sabendo que eu sou.
No almoço, me sinto perdida.
No fim da tarde, tenho certeza que não sei.
E na hora de dormir, já mudei.

2.7.08

Solidão

O dia foi foda. E, graças a Deus, ele não tinha mulher nenhuma pra pegar no pé quando chegasse em casa mais tarde que o habitual por ter ido tomar cerveja com os amigos do trabalho e espairecer.

A cerveja e uns cigarros eram tudo que ele precisava. E um pouco de sexo pra relaxar. O melhor é que, solteiro convicto, ele podia ter o sexo que quisesse, variar o tipo de mulher, e ainda saía mais barato que o sexo “grátis” de namoradas, como ela gostava de lembrar para provocar a inveja dos coitados que já tinham vestido o cabresto. Nada de dor de cabeça, nada de amorzinho pra lá, benzinho pra cá, ficar abraçado antes de dormir. Não. Pra relaxar é preciso um bom sexo e só. Virar para o lado e dormir.

Mas antes, a cerveja com os amigos. Conversa, reclamações, sinópses do futebol, grandes idéias, a secretária, aventuras sexuais alucinantes... As mesas do bar vão se esvaziando, o garçon batuca os dedos no balcão à espera do pedido da saideira, um dos amigos boceja e lembra que ainda é terça-feira. Enfim, é hora de procurar com quem relaxar. E ele já sabe onde ir.

Não se importa muito com a beleza. Claro que é bom ter alguém bonito do seu lado, mas ele só queria se satisfazer, ninguém ia ver. Na primeira esquina estão duas. Muito vulgares. Um pouquinho mais pra frente tem mais uma. Bonita. Mas ainda não é essa. Tem uma cara estranha. Depois de contornar vários quarteirões daquela área, eis que ele encontra alguém especial.

Ele encosta o carro, ela encosta no carro sorrindo e eles começam a conversar. Enquanto combinam o preço, ele acaricia delicadamente a barriga completamente exposta da moça. Sobe os dedos. Desce. Faz círculos em volta do umbigo. Ela é linda, ele pensa. Ela entra no carro, eles vão para o apartamento dele. No caminho, conversam sobre tudo, ele conta o dia foda que teve.

Já no apartamento, ele faz questão de oferecer alguma coisa para ela beber. Ela faz tudo que ele quer. Ele se diverte, mas quer que ela goste. Depois deita cansado e ainda pede uma massagem. Conforme ela massageia suas costas, ele elogia sua delicadeza, conta mais uma vez sobre o dia foda, faz planos para que o dia seguinte não repita o desastre de hoje, comenta a programação do fim de semana, e, sem perceber, vai se virando, bocejando, abraçando a moça cujo nome real ele nem deve saber e se ajeitando confortavelmente na cama com ela em seus braços, numa silenciosa confissão de que era isso que ele queria e precisava.

1.7.08

Acordo

Antes de qualquer coisa, mas depois de um beijo, ele deixa claro que não pensa em nada sério. Está solteiro e pretende continuar assim.

Com esse aviso, ele se exime de qualquer culpa sobre uma possível paixonite que ela possa desenvolver. Ele passa automaticamente a não ter responsabilidade nenhuma caso ela sofra uma semana depois, quando encontrar outra ali, onde ela estava agora. Ele garante a tranqüilidade de sua consciência caso ela ligue, chore ou mande presente.

Como se uma frase pudesse mudar tudo. Apagar cada detalhe daquela noite. Traduzir o carinho com que ele a tratou para a língua da diversão sem compromisso. Sufocar o suspiro que insiste em crescer no peito dela. Dissipar o cheiro. Afastar qualquer lembrança. Normalizar o ritmo do coração.

Como se aquele aviso fosse uma prova a favor dele contra qualquer acusação de crueldade. Um álibi. Quase uma absolvição do pecado de conquistar alguém que não se quer. Um sabonete dos bons para lavar as mãos.

Como se, naquela hora que ele falava, ela fosse parar e ponderar todos os prós e contras. Definir suas prioridades. Lembrar que ninguém muda ninguém e desistir do que ela já tinha tentado com outros sem sucesso.

Como se, continuando ali com ele, ela estivesse assinando um contrato de uma noite e nada mais. Comprometida em não sonhar com o para sempre.

Como se aquela advertência significasse a segurança de que ela cumpriria todos os acordos subentendidos.

E como se não soubessem disso tudo, com a frase interrompida bem no finalzinho, com outro beijo, eles se entregam.

26.6.08

Lixo, ameba, Akira e afins.

Na agência onde trabalho o lixo é separado: orgânico pra um lado, reciclável pra outro. E é na cozinha que encontramos os dois tipos de lixo, porque nas salas temos só os recicláveis e no banheiro, só o orgânico. Mas a cozinha tem os dois, porque tem o pó da máquina de café, tem os copos plásticos, tem o restinho de comida de quem não conseguiu sair pra almoçar, tem as embalagens do pó de café, dos produtos de limpeza... enfim, tem de tudo.

Na cozinha, o cesto do lixo reciclável fica sempre do lado esquerdo e o do orgânico, sempre do lado direito. E isso nunca mudou. Até que outro dia, quando eu fui pegar café, apareceu no visor da máquina “esvaziar fundos”. (Acho horrorosa essa mensagem! Podia ser “limpar gaveta do pó usado”, “jogar fora o pó”, qualquer coisa. Mas tá lá o “esvaziar fundos”. Pelo menos é melhor que “jogar fora a borra”, né?) Enfim, fui eu jogar no lixo orgânico da cozinha o pó usado da máquina de café, e acabei jogando o dito no lixo reciclável. Por quê? Porque, embora um lixo seja laranja e o outro, verde, um tenha 1 metro de altura e o outro seja minúsculo, e os 2 tenham um adesivo gigantesco na tampa avisando a que cada um deles se destina, tinham trocado os dois de lugar! O que era pra estar na esquerda estava na direita, e vice-versa!

Quando percebi o que eu tinha acabado de fazer, só uma coisa me veio na cabeça: uma aula de biologia que tive no colegial (há uns 10 anos) em que o professor explicava o condicionamento. Para isso, ele usava de exemplo uma experiência com umas amebas que, cada vez que iam ser alimentadas, tomavam choques. Depois de um tempo, pararam de dar choques nas coitadas, mas as infelizes não conseguiam comer, porque toda vez que tentavam, só de chegar perto da comida, já começavam a tremer como se estivessem tomando choque ainda. Com toda essa história passando pelo meu cérebro em alguns milésimos de segundos, eu só podia tirar uma conclusão disso tudo: EU SOU UMA AMEBA!

Que horror! Eu estava tão condiocnada a jogar o pó de café no lixo do lado direito que nem todas as incríveis diferenças entre as duas latas entraram rápido o suficiente na minha cabeça a ponto de eu usar o lixo certo!

Depois de alguns dias do acontecido, assisti Akira. Interessante (e isso é um elogio partindo de quem não tem paciência com desenho japa). Mas o que me chamou atenção foi a idéia de que, se todos somos resultado da evolução de um ser muito primário, por exemplo uma ameba, teremos todos nós a mesma potencialidade de uma evolução tão grande, ainda hoje?

Porque, convenhamos, deixar de ser uma simples ameba e virar um complexo de células, tecidos departamentalizados, cada um responsável por uma atividade, com tanta coisa para fazer, e ainda por cima pensante (na maioria das vezes!) não é fácil.

E, se trouxemos essa potencialidade como herança dos nossos tempos de ameba, por que não usamos mais? Teremos nós chegado ao topo da evolução? Mas, se tivemos o poder de trazer essa potencialidade como herança até hoje, provavelmente trouxemos também algumas particularidades idiotas de nossos ancestrais amebas, porque a genética ainda não aprendeu a selecionar só a parte boa da coisa. E, pelo jeito, a parte idiota da minha ancestral ameba se aflorou antes da parte responsável pela evolução. Triste. Mas ainda há uma esperança!

25.6.08

Mais do Mesmo

Eu queria que a minha vida fosse escrever.

Queria não saber o que escrever por ter um milhão de coisas tão interessantes pra falar a ponto de ficar sem saber qual a mais legal.

Queria aplicar aqueles exercícios malucos de encontrar uma pessoa no elevador e tentar escrever a história dela baseada simplesmente na observação da postura da pessoa naquele lugar, o que ela leva na mão e muita adivinhação.

Não ser preguiçosa e saber começar um texto. Começar e terminar. Escrever sobre coisas interessantes, que ninguém escreveu ou pensou, não simplesmente a partir do senso comum e do meu julgamento falho das pessoas e situações.

Queria exalar boas idéias.

Mas não. Sou assim. Desse jeito que você, se é que você existe mesmo, vê aqui.
Começo uma coisa e não acabo. Depois retomo e abandono de novo.

Escrevo sempre quando a melancolia me ataca. Gosto de melancolia, mas queria escrever além disso. Escrevo só sobre mim, minhas opiniões, meus sentimentos, minhas percepções, eu, eu, eu. Claro, o texto é meu e não tem como eu sair de mim pra escrever. Mas eu queria.

Sou analfabeta nas entrelinhas, prepotente com minhas idéias, metida quando elogiada, medíocre no raciocínio, leviana nas opiniões, limitada na quantidade de assuntos, repetitiva sempre.
Queria escrever uma coisa completamente nova.

Só que desta vez, só vou recomeçar de novo, sem pleonasmo.

7.1.08

Ano Novo

Não sei para os outros profissionais, mas para redatores as datas comemorativas são complicadas. A gente tem que falar “Feliz Natal” de mil jeitos diferentes, todos de forma bacana, sem deixar a mensagem “igual à de todo mundo”. E normalmente os textos devem seguir um roteiro que os clientes passam.
Mas este texto aí de baixo eu fiz para a empresa onde trabalho, com total liberdade, para compor um filme que foi mandado por e-mail para alguns clientes, fornecedores e muitos amigos. (Só troquei o nome da empresa por “a gente” lá no final, pra ficar mais pessoal. Como o blog é meu e o texto é meu também, tomei essa liberdade!)

Estão chegando dias de sol. De céu azul.
Dias que vão trazer para você energia, ânimo e entusiasmo.
Que terão o gosto do horizonte, bem ali na sua frente, pra onde dá vontade de correr.
E o sol desses dias iluminará o seu caminho até lá, e dará o fôlego que você precisa para se manter firme na caminhada.

Também virão alguns dias de chuva, meio cinzas.
Que vão testar sua confiança no seu propósito, mas também vão fortalecer seus passos.
E, normalmente, esses dias mais difíceis terminam de forma recompensadora, com as cores do arco-íris prometendo novos dias de sol.

Estão chegando as noites.
Algumas longas e escuras, que vêm só para que você esteja sempre alerta.
Já outras serão estreladas, enluaradas, e trarão o poder dos seus sonhos à tona.
Noites que terão ares de futuro e farão brilhar seus olhos.

Estão chegando a você 366 novas oportunidades de começar ou recomeçar.
De retomar antigos sonhos, levar adiante suas promessas.
De fazer o seu caminho rumo ao seu objetivo, dia a dia.

A gente deseja que seus dias de 2008 sejam feitos com garra, ousadia e perseverança, porque esses, com certeza, são os ingredientes do sucesso.

Feliz 2008.