18.12.07

Quem eu sou?

Este texto eu escrevi há uns 2 ou 3 anos, para o meu antigo blog.

Eu sou muito mais que eu.
Eu sou a possibilidade de realização de tudo que ainda não foi feito pelos meus mais velhos.
Eu sou o barro a ser moldado de acordo com o que a decoração da casa pede.
Eu sou um livro em branco, pronto para ser preenchido pelas experiências de quem tem história para contar.
Eu sou um carro, não, sou só uma bicicleta mesmo, indo pra onde viram meu guidão.
Eu sou uma embalagem de qualquer coisa, pronta para receber um rótulo e me valer do que vier especificado nele.
Eu sou um girassol que não pode olhar para a lua simplesmente porque foi feito para olhar para o sol.
Eu sou o cavalo cujo horizonte é um torrão de açúcar.
Eu sou a água, que toma a forma do seu continente.
Eu sou a maçã que não tem outra opção a não ser cair nas graças da lei da gravidade.
Eu sou a Terra que segue fazendo o mesmo caminho em torno do Sol há nem sei quanto tempo.
Eu sou o relógio que, não importa o que aconteça, deve sempre manter o mesmo curso, no mesmo ritmo.
Eu sou poeira, que não pode andar contra o vento.
Eu sou Deus, sempre bom, paciente, calmo e perfeito, exatamente como todo mundo quer.

17.12.07

Histórias da Vida

Então ela vai casar. Mesmo depois de tudo que ele fez, de tudo que ela sofreu, de tudo que ela teve que ouvir, saber... ela vai casar, sim.

Ele sempre foi o homem da vida dela. Os outros não chegaram nem perto. Só a faziam lembrar de como ele era bom. Os melhores eram aqueles por quem, por alguns instantes, ela realmente se apaixonou, mas logo percebeu que o que a fez se apaixonar era algum trejeito, algum comentário típico dele, o primeiro, o único, sempre ele.

Mas aqueles eram outros tempos. Eles eram adolescentes. Os dois. Ela morrendo de medo das conseqüências do que ele queria fazer. Ele morrendo de vontade de fazer o que ela ia gostar. Ela tentada, mas resistente. Ele tentando, irresistível.

E por causa disso ela quase consegue entender as razões daquelas que não resistiram. Chegou uma hora que ela mesma não resistiu. Mas não foi suficiente pra ele. Não para todo aquele tesão adolescente interminável, pras loucuras que passavam na cabeça daquele garoto.

Claro que doeu. Doeu pra caramba e ainda dói hoje. E quando ela pensa no que aconteceu, no fundo, no fundo, mesmo que ela não admita pra ninguém, mesmo que ela queira negar pra ela mesma, dá um frio na barriga e um medo de que aquilo aconteça de novo. Porque naquela época foi foda, mas eles eram mais novos, e parece que conforme o tempo vai passando a gente vai perdendo a resiliência pra essas coisas, o baque é maior e a gente demora mais pra se recuperar. E ela sabe disso. Ela sente isso e morre de medo.

E quando ela pensa nisso tudo e percebe que vai começar a sentir medo, então ela se convence de que tudo que aconteceu foi só porque ele ainda era adolescente. Foi coisa de criança, impulsos incentivados por amizades erradas. E, convencida disso, ela passa a pensar em como é bom tê-lo de volta. Como ela cabe naquele abraço. Como ela, só ela foi inesquecível a ponto de fazê-lo voltar. Como ela venceu todos aqueles que apostaram contra, todas aquelas que foram argumentos para os que apostaram contra. Ela sabia que era ela. Ela sabia que ninguém mais poderia fazê-lo feliz. Ninguém mais arrancaria da boca dele um pedido de casamento. Ninguém mais do que ela, que passou por tudo aquilo, que foi o alvo principal, que foi a mais machucada, merecia esse final feliz, ao lado dele.

E agora, mais do que convencida de que o mundo dá voltas, de que Deus escreve certo por linhas tortas, ela sorri e começa a pensar no vestido branco.

O dia em que eu morri

Este é um texto que escrevi há algum tempo, do qual gosto muito, e que achei interessante pra começar este blog.

Eu estava com 84 anos e, embora não me sentisse velha, as pessoas me tratavam como tal.
Não vou mentir para vocês, até porque, como não estou mais aqui, não preciso fazer média com ninguém: ser velha tem suas vantagens, sim! Eu podia dizer o que eu queria, pra quem quer que fosse. Não que eu me sentisse nesse direito, mas, vocês vão ver, com o tempo, as pessoas dão a você esse direito. O que também não significa que elas escutem muito o que você diz ou sigam seus conselhos, mas, pelo menos, a sensação de alívio que isso proporciona à sua mente, ao seu coração e a toda sua impaciência é incrível. Entretanto eu não abusava deste poder aparente que a idade traz. Como eu já disse, não acho certo que as pessoas falem o que pensam porque, muitas vezes, isso acaba magoando muita gente. Muita gente que muitas vezes não fez nada e acaba sendo atingido pelo erro dos outros. Mesmo que muitas pessoas mereçam ouvir tudo que queremos dizer.

Eu era uma octogenária e, mesmo sabendo que o mundo havia mudado, e mudava sempre, cada vez mais rápido, eu não desistia de correr atrás de saber o que estava acontecendo. Eu sempre gostei de aprender, de descobrir. Não era hora de parar ainda. Pelo menos não pra mim. Se bem que, com o passar do tempo, me dei o luxo de procurar saber das coisas que eu gostava mais. Talvez isso tenha me deixado mesmo um pouco restrita. Não que eu gostasse de poucas coisas, não. Eu gostava de muuuuita coisa! Mas acho que meu gosto não era assim tão popular.
Eu estava quase completando 85 anos e, mesmo já tendo visto, vivido e ouvido falar de muita coisa errada, eu ainda acreditava que as coisas iam mudar. Na verdade, na verdade, não sei se eu acreditava mesmo que as coisas iam mudar ou se eu queria muito que elas mudassem. Mas havia isso em mim. Essa coisa do inconformismo. Não insatisfação, inconformismo mesmo. Eu era feliz. Amava muitas coisas. Era do tipo que ria muito. Gostava de rir, gostava de quem eu era, de quem eu tinha por perto. Mas acreditava que o mundo estava em constante evolução. Estávamos todos lá para aprender, e melhorar.

Eu era uma jovem senhora de pouco mais de 80 anos quando, numa manhã, no meio de uma semana qualquer, eu não levantei. Não sonhei, não senti vontade de falar poucas e boas a ninguém, não corri atrás de saber alguma coisa interessante, não me vi inconformada com nada e não ri. Era um dia comum, de trabalho. As ruas estavam movimentadas como sempre. As pessoas andavam apressadas pra lá e pra cá. O tempo corria no seu ritmo habitual. Nenhuma notícia de grande valor no jornal. Nenhum acontecimento. A única diferença era que agora não havia mais eu. Mas isso não importava muito, porque nunca houve eu. Havia minhas idéias, meus pensamentos, meus ideais. Mas eles haviam para mim, e só. E já não importava o que havia para mim naquele momento, porque eu não sentia, não pensava e não idealizava mais nada.
No dia em que eu morri, o mundo permaneceu o mesmo. Assim como em cada dia que eu vivi.