22.10.09

Depois do fim

Vai, pode ir. Eu fico bem. Aliás, quero que você seja feliz.

Feliz daquela felicidade linear, aquela coisinha cotidiana que dá segurança, mas não dá frio na barriga. Aquela felicidade com cheiro de arroz com feijão.

Quero que essa felicidade consuma seus dias a ponto de não dar tempo de você pensar em mim, sentir saudade, se arrepender.

Só nos dias de chuva. Nestes, naquela hora em que todos os barulhos se silenciam e só dá para ouvir a água na janela, quero que você sinta uma leve melancolia. Não precisa nem pensar em mim, só sentir essa melancolia que deixa a gente em dúvida sobre o que está fazendo da vida, que dá um frio de pensar no presente, uma sensação de que tudo passou rápido demais, e emenda numa vontade de voltar num tempo que na lembrança parece mais quente e aconchegante. E aí sim, só por um momento, você pensar em mim se perguntando “o que será que ela está fazendo agora?”.

Desejo que você passe bem todos os dias. E no dia do meu aniversário, quando escrever a data ao assinar um documento, um cheque, ou quando perguntar para alguém “que dia mesmo é hoje?”, que você se lembre e, antes de continuar sua vidinha, dê um leve sorriso em segredo. E no dia do seu aniversário, quando você estiver introspectivo, pensando em todos os anos acumulados que está comemorando, que você guarde um minutinho para pensar como seria se eu resolvesse mandar uma mensagem desejando um feliz aniversário, se você reconheceria minha voz se eu ligasse para dizer parabéns.

Não quero fazer parte dos grandes momentos da sua vida. Quero os pequenos, os de dúvida. Eu sei, eu falei que não queria que você pensasse em mim, e não quero. Quero que minha imagem não seja uma escolha. Quero que ela apareça inevitavelmente em sua cabeça quando você estiver meio cansado da vida, pensando em como tudo seria se não fosse assim, como você mesmo escolheu. Ou quando você ouvir aquela música, num flashback qualquer.

De vez em quando, quero que alguém faça algum comentário com a minha cara perto de você. Alguma coisa tirada do meu repertório, mesmo que da seção de frases idiotas, e que faça você quase ouvir minha voz. Mas só de vez em quando. E aí você pensaria que seria legal me ter por perto, como amiga, só para conversar de vez em quando. Alguém com lembranças em comum para piadas que ninguém mais entenderia, a quem você pudesse confessar uma ou duas coisas sem medo de julgamento, que não pertencesse ao seu círculo de amizades, mas que estivesse sempre pronta para um café.

Eu quero que você odeie alguma coisa que eu adoro, pelo simples fato de eu gostar dela. Pode ser uma música, um filme, um livro, uma cor, qualquer coisa que eu goste muito e que você saiba, e por isso você odeie. Uma implicância sem sentido, que nem você consegue explicar, e por isso você acaba saindo do sério, perdendo a esportiva quando alguém pergunta por quê. Uma implicância que você até gosta de sentir.

Também quero que você ainda tenha guardado algum presente que eu dei, um cartão, uma foto, um bilhete. Alguma coisa que fique no fundo daquela gaveta que você nunca abre, e que você jura que está ali só porque ainda não lembrou de jogar fora, porque você realmente nem lembra do que tem lá dentro da gaveta. Mas que nos raros momentos em que você abre a tal da gaveta e encontra o presente, o bilhete ou a foto, você precise respirar fundo para conseguir lembrar o que estava fazendo.

Quando perguntarem quem é a mulher da sua vida, quero que você nem pense para responder que é ela. Mas que depois de uma resposta tão automática, você se pegue pensando em mim. E só.

22.8.09

Sai, se!

Por que parece que todo mundo já pensou em tudo e eu sou a única debaixo do céu que não sabe exatamente como as coisas são ou deveriam ser?

Eu vejo todo mundo fazendo planos a curto, médio e longo prazos e me pergunto: como se define isso? O que é exatamente longo prazo? E como alguém consegue prever o que vai querer no depois se tudo muda toda hora, conforme o que acontece, conforme o que eu vejo, ouço, sinto?

E ainda tem sempre um maldito se que me persegue. Cada vez que eu acho que descobri o que quero da vida vem um se e dá um peteleco no castelo de cartas que eu construí tão solidamente com as minhas certezas. E eu fico ali, catando ases e procurando reis pelo chão, tentando encontrar um coringa que se encaixe em qualquer plano. Um caminho que eu possa seguir com a certeza de não me arrepender depois. E outro se aparece enquanto eu ainda estou no chão para chutar minhas costelas e dizer que não importa o que eu faça, nunca vou me livrar dele. Ele é mais forte que eu. E faz questão de deixar isso claro.

Esse se me faz querer comprar um blazer e fazer uma pós em qualquer coisa cada vez que uma toda-poderosa-bem-sucedida-na-direção-de-um-negócio-de-sucesso aparece na foto principal da matéria sobre as mulheres mais influentes do universo rindo do meu life-style pizza toda noite e madrugadas de trabalho sem hora-extra. Depois me leva para a banca atrás da última edição da Runners a cada magra-com-estilo-de-vida-saudável-fácil-de-se-levar que passa perto da minha barriga que fica empurrando incansavelmente minha calça para todos os lados. E esse filho da puta desse se ainda me faz tentar adotar o ar da mais pura serenidade e ficar toda emotiva quando vejo mães embalando seus bebês como se fossem a coisa mais importante do mundo pra logo em seguida me fazer correr atrás de aulas de todo tipo de língua e começar a planejar meu mochilão afastando da mente a mais remota possibilidade de colocar alguém no mundo antes de conhecer efetivamente o mundo. E o se me enche de frustração, porque parece que ele só existe pra mim.

Ninguém mais tem dúvida? Ninguém quer trocar de vida? Ninguém tem medo de dar um passo? E de ficar parado no mesmo lugar?

Quero fazer tudo e não quero abrir mão de nada. E não quero sentir saudade de uma coisa que eu ainda nem vivi e nem me arrepender e nem ficar em dúvida e nem ter pouca idade para uma coisa e nem ter muita idade para outra coisa.

Aliás, quero chegar a ter muita idade para mandar todos esses ses pra puta que pariu e rir da cara deles, esfregar na cara deles que sim, deu pra fazer tudo, e que o medo que eles me meteram foi só um frio na barriga de montanha-russa. Que a companhia deles durante toda a vida foi irritantemente enriquecedora para o meu passaporte e para meu repertório de histórias. E só.

15.5.09

Que bicho é esse?

O homem é um bicho estranho, que tem a cabeça virada para baixo, para o próprio umbigo, mas o queixo erguido bem lá no alto para não correr o risco de ver nada além do céu e poder ter a certeza de que nada é mais elevado que ele.

O bicho homem é confuso, se diverte fazendo filmes sobre o que ele morre de medo que aconteça de verdade. Despenca de mentira de brinquedos e corre de verdade de carro.

O homem é um bicho bobo, que mente para os outros tentando enganar a si mesmo, e na maioria das vezes consegue mais enganar a si próprio do que aos outros.

O homem é mais bicho que homem. Escreveu e leu centenas de livros sobre o equilíbrio entre a razão e a emoção, mas ainda não aprendeu a dominar seus instintos.

O homem é um bicho escroto. Acha mais fácil cruzar os braços que dar as mãos.

O homem é um bicho engraçado. Inventou suas asas, mas duvida que existe o céu.

22.4.09

Ela e o Mundo

Ela tem a petulância de quem acha que é dono do mundo. A vida dela pode até pertencer aos vizinhos e colegas de trabalho, mas o mundo é dela. E cada canto dele tem guardado um segredo que só a curiosidade dela vai conseguir escarafunchar e só a imaginação dela vai conseguir idealizar.

Ela tem a leveza de quem acredita que sonhos foram feios para ser realizados, a inocência de quem confia que o mundo pode muda, e o sorriso de quem conhece todos os segredos e pode revelar, a qualquer momento, que isso não é só fé. É verdade.

Ela tem fome de um gosto que ela não ainda não conhece, mas que ela quer enfiar inteiro na boca, tudo de uma vez, mesmo que seja para gargalhar da situação depois de cuspir tudo.

Ela tem a desenvoltura de quem não tem medo de transformar a vida em piada e o escracho de quem sabe rir de si mesmo.

Ela tem um desapego que alguns desavisados podem julgar indiferença, e que às vezes beira o despeito, mas que vira e mexe se desapega dela e deixa tudo em volta com cheiro de saudade.

Ela tem o mundo dentro dela, cheio de pontes e ruas sem saída, becos escuros, oceanos e humanidades. E de quem mais é o mundo senão de alguém assim?

15.4.09

O mundo como ele é

O pensamento segue a seguinte lógica: Quando uma coisa é minha, é minha e de mais ninguém. Quando é de todo mundo, eu aproveito, afinal, o direito é de todo mundo. Mas na hora de cuidar, a responsabilidade não é minha. Se a coisa não é só minha, a responsabilidade também não é. E ficamos assim. Simples assim. Na merda.

13.4.09

Nada como um dia de chuva

Adoro dia de chuva. Aquele cinza que me permite entrar em mim mesma e tomar conhecimento de toda minha dor e ao mesmo tempo de toda a minha beleza, silencia o resto do mundo e torna mais verdadeiros meus sentimentos.

Não preciso sair na chuva e abrir meus braços para sentir as gotas lavando a minha alma. Só olhar pela janela já é suficiente para me fazer rever momentos e sentir novamente, com a mesma intensidade, ou talvez até mais, o mesmo frio na barriga, o mesmo ar gelado inflando o peito. E então marejar meus olhos e mudar o contorno de minha boca num leve sorriso, quase imperceptível, porque em dia de chuva até o que é triste faz sorrir. Combina.

Da janela vejo o chão molhado formar um espelho gigante, com seus chicletes grudados, uns já pretos de tão antigos, que, como minhas culpas, nunca vão sair dali, e várias folhas pisadas como os sonhos que atropelei.

O som das gotas no vidro me hipnotiza e me faz querer ficar ali para sempre, olhando o dia cada vez mais cinza, sem saber se é porque anoitece ou se é a chuva me dizendo que não tem pressa.

Olhar a água fina tomando conta de todo espaço que não é cidade me dá frio. Mais que aquecida, acabo me sentindo amada pela manta que abraço, mas não com aquele amor que conforta. É um amor daquele que joga na minha cara tudo que eu já fiz, não fiz, já fui e nunca vou ser, para depois poder cobrar a felicidade. E a chuva açoitando a janela é a trilha de toda essa cobrança.

É por causa dessa tristeza que eu adoro dia de chuva, porque é nessa tristeza que encontro comigo mesma e me renovo. Porque essa tristeza fria que pinga do céu me tira da alegria letárgica do dia-a-dia, aquela que a gente nem percebe e que anestesia, para deixar tudo mais intenso.

No cinza dos dias de chuva, as outras cores têm mais força e os sentimentos, mais sinceridade. No frio dos dias de chuva, minhas lágrimas são mais quentes, meus abraços, mais fortes. Nos dias de chuva, eu me entrego à minha solidão e me basto.

6.4.09

Antes e Depois

Dizem que antes, um uísque. Depois, um cigarro.

Eu sei que antes é expectativa. Depois é a verdade.

Antes de pedir um beijo, você é linda, inteligente, culta e escreve bem. Depois de receber um não, você se acha e eu vou mostrar que eu posso muito mais do que você.

Antes da crise, vamos selecionar nossos clientes e atender só os grandes, que deem visibilidade à empresa. Depois da crise, vamos atender qualquer um que pague qualquer coisa.

Antes de conhecer os motivos e a história, um julgamento duro e cruel. Depois, a culpa.

Antes de pedir um favor, simpatia, elogios, voz mansa e agradável, brincadeirinhas. Depois de tudo feito, desprezo.

Antes do sim, quando é que vocês vão casar? Depois do sim, quando é que vocês vão ter filhos?

Antes de trair a dieta, uma vontade tão grande que não dá pra aguentar e só um pouquinho não vai ter problema. Depois de cair de boca no mundo, a sensação de fracasso.

Antes de perceber a má intenção, inocência. Depois, burrice.

Antes do sábado, o estresse do trabalho. Depois do domingo, o cansaço das baladas, churrascos e bebedeiras.

Antes de pagar as contas, azul. Depois, vermelho.

Antes de escrever este texto, um monte de coisas entaladas na garganta. Depois do ponto final, saber que nada vai mudar.

1.4.09

Tédio

Ando entediada. Entediada com minha barriga enorme e mole, com a vontade de comer que não passa, com o estômago que sucumbe à tentação e com a consciência que não perdoa o deslize, me lembrando toda hora da geleia com umbigo que eu carrego na cintura.

O problema é que não é só isso. As pessoas, o trabalho, a louça na pia, não saber o que fazer no jantar, as contas, o todo dia, tudo me entedia. E essa é a melhor desculpa para enfiar qualquer coisa goela abaixo e alimentar a geleia.

Só que, sabendo que isso é uma desculpa, eu deveria criar vergonha na cara e parar de comer. Mas eu não paro. Não paro porque alguma coisa tem que ser boa, e comida é bom. Além disso, não é a geleia que causa o tédio, e sim o tédio que me causa a geleia. E esse eu não sei de onde veio, só sei que ele já se instalou e não quer saber de sair.

Aí outro dia fiz um exame de sangue que mostrou uma alteraçãozinha. Um problema de tireóide que, entre outras coisas, causa aumento de peso e depressão.

Maravilha! Descobri de quem era a culpa de tudo e, como já tinha marcado o médico, podia me atirar de braços abertos à total falta de vontade da vida e aos pacotes de bolacha, para aumentar o problema que vou jogar nas mãos do médico.

E por alguns dias isso tirou da minha cabeça a preocupação com aquela falta de perspectiva e até me trouxe um pouquinho de felicidade. Mas só por alguns dias, porque o tédio é uma coisa engraçada, que deixa a gente sem vontade de nada, mas também não deixa a gente quieta.

O tédio veio me perguntar se eu acho realmente que todos os meus problemas vão acabar assim que o endocrinologista me examinar. E ainda jogou na minha cara que a receita dele não vai ser milagrosa. Depois ainda cavocou meu cérebro na tentativa de encontrar as suas raízes. E, não sei se você sabe, mas as raízes do tédio são todas pontos de interrogação: Será que eu consigo fazer essa receita que tem mais de 5 ingredientes? E a sujeira que ela vai fazer? E será mesmo que ninguém lê texto de propaganda? Quem vai ler um texto de remédio para porco? E um anúncio que tem uma imagem bonita? Mas, se ninguém lê, por que eu tenho que virar madrugadas escrevendo? E por que o aluguel é tão caro? Por que eu não jogo uma mochila nas costas e saio pelo mundo sem me preocupar com aluguel? E por que eu não arrumo um bebê? Será que vai dar tempo agora? E depois? E esse monte de não-sei que eu tenho que responder pra mim mesma me cansa e me deixa sem saber o que fazer.

Na verdade, eu até sei o que eu tenho que fazer, mas me falta coragem. Essas dúvidas são várias pás cavando um único buraco de onde fica cada vez mais difícil de sair, mesmo quando você vê a luz logo em cima da sua cabeça.

Até eu mesma me saboto. Todo dia acordo com um sonoro “welcome to your life” que eu escolhi para tocar no despertador. E antes que eu consiga afastar todos esses pensamentos da minha cabeça ensonada, já vem a irônica emenda “there’s no turning back”. E assim eu volto à geleia, ao trabalho, às contas, ao todo dia e aos não-seis.

E esse texto está ficando longo e não vai ter nenhuma conclusão porque eu mesma ainda não cheguei a nenhuma conclusão sobre o que fazer com toda essa merda que eu despejei aqui.

2.3.09

Quando o tempo não dá tempo

O que você vai fazer quando perceber que o tempo está passando por você como a areia escorre entre os dedos?

Vai se orgulhar de ter aproveitado cada momento?

Lamentar as oportunidades perdidas? Não ter 10 ou 20 anos a menos?

Começar a planejar cada detalhe do resto da sua vida como nunca nem tinha pensado em fazer antes de perceber a urgência com que os dias viram anos?

Gabar-se de todos os detalhes de cada conquista daquilo que norteia a sua vida? Dar o braço a torcer de que aquilo que você acreditou nortear a sua vida era apenas uma parte dela?

Blasfemar todo açúcar e toda gordura com que você se deliciou, arrependido por ter trocado sua saúde e um corpinho ajeitado por prazeres momentâneos? Invejar todos que conseguiram controlar essa tentação, porque agora parece que eles têm mais tempo e muito mais do que se orgulhar do que você?

Jogar tudo para o alto e mudar de direção para, no final, poder dizer que já fez loucuras?

O que você vai pensar quando se der conta das possibilidades que suas escolhas deixaram para trás? Vai querer voltar no tempo?

Vai convidar um amigo para tomar café e desabafar, na esperança de que ele acalme suas angústias dizendo, sem se dar conta, tudo que você quer ouvir?

Pintar o cabelo de uma cor diferente e comprar uma roupa nova para experimentar como você seria se fosse diferente do que você é?

Começar a ouvir jazz e tomar vinho para provar para você mesmo que o tempo passando significa evolução? Ou diminuir o tamanho das roupas e comprar um carro esporte para negar a implacável marcha dos anos?

Vai desejar ter praticado um pouco mais, sem culpa, alguns pecados capitais?

O que você vai fazer quando o que aparecer no espelho não for mais tão parecido com aquela foto da formatura? Quando você fizer aniversário quase no dia seguinte do seu aniversário anterior? O que você vai desejar quando cortar o bolo?

E agora? O que você vai fazer agora?

27.1.09

Dueto em Segredo

Ela é uma adolescente mais velha com namorado.
Ele é um homem casado, bem resolvido.
Ela, uma boa dose de diversão.
Ele, o charme da maturidade.
Ela, o elixir da juventude.
Ele, a independência.
Ela, a confusão de pensamentos.
Ele, o sabor do proibido.
Ela, os sonhos.
Ele, as certezas.
Ela, a espera.
Ele, a chegada.
Ela, o brilho nos olhos.
Ele, as palavras certas.
Ela, as desculpas esfarrapadas.
Ele, as histórias cuidadosas.
Ela, o instinto incontrolável.
Ele, o instinto de sobrevivência.
Ela, a pele pedindo.
Ele, a auto-afirmação exigindo.
Ela, a ilusão do feminismo.
Ele, devoto do machismo.
Ela, a inconseqüência.
Ele, o risco.
Ela, a conquista dele.
Ele, a perdição dela.