1.4.09

Tédio

Ando entediada. Entediada com minha barriga enorme e mole, com a vontade de comer que não passa, com o estômago que sucumbe à tentação e com a consciência que não perdoa o deslize, me lembrando toda hora da geleia com umbigo que eu carrego na cintura.

O problema é que não é só isso. As pessoas, o trabalho, a louça na pia, não saber o que fazer no jantar, as contas, o todo dia, tudo me entedia. E essa é a melhor desculpa para enfiar qualquer coisa goela abaixo e alimentar a geleia.

Só que, sabendo que isso é uma desculpa, eu deveria criar vergonha na cara e parar de comer. Mas eu não paro. Não paro porque alguma coisa tem que ser boa, e comida é bom. Além disso, não é a geleia que causa o tédio, e sim o tédio que me causa a geleia. E esse eu não sei de onde veio, só sei que ele já se instalou e não quer saber de sair.

Aí outro dia fiz um exame de sangue que mostrou uma alteraçãozinha. Um problema de tireóide que, entre outras coisas, causa aumento de peso e depressão.

Maravilha! Descobri de quem era a culpa de tudo e, como já tinha marcado o médico, podia me atirar de braços abertos à total falta de vontade da vida e aos pacotes de bolacha, para aumentar o problema que vou jogar nas mãos do médico.

E por alguns dias isso tirou da minha cabeça a preocupação com aquela falta de perspectiva e até me trouxe um pouquinho de felicidade. Mas só por alguns dias, porque o tédio é uma coisa engraçada, que deixa a gente sem vontade de nada, mas também não deixa a gente quieta.

O tédio veio me perguntar se eu acho realmente que todos os meus problemas vão acabar assim que o endocrinologista me examinar. E ainda jogou na minha cara que a receita dele não vai ser milagrosa. Depois ainda cavocou meu cérebro na tentativa de encontrar as suas raízes. E, não sei se você sabe, mas as raízes do tédio são todas pontos de interrogação: Será que eu consigo fazer essa receita que tem mais de 5 ingredientes? E a sujeira que ela vai fazer? E será mesmo que ninguém lê texto de propaganda? Quem vai ler um texto de remédio para porco? E um anúncio que tem uma imagem bonita? Mas, se ninguém lê, por que eu tenho que virar madrugadas escrevendo? E por que o aluguel é tão caro? Por que eu não jogo uma mochila nas costas e saio pelo mundo sem me preocupar com aluguel? E por que eu não arrumo um bebê? Será que vai dar tempo agora? E depois? E esse monte de não-sei que eu tenho que responder pra mim mesma me cansa e me deixa sem saber o que fazer.

Na verdade, eu até sei o que eu tenho que fazer, mas me falta coragem. Essas dúvidas são várias pás cavando um único buraco de onde fica cada vez mais difícil de sair, mesmo quando você vê a luz logo em cima da sua cabeça.

Até eu mesma me saboto. Todo dia acordo com um sonoro “welcome to your life” que eu escolhi para tocar no despertador. E antes que eu consiga afastar todos esses pensamentos da minha cabeça ensonada, já vem a irônica emenda “there’s no turning back”. E assim eu volto à geleia, ao trabalho, às contas, ao todo dia e aos não-seis.

E esse texto está ficando longo e não vai ter nenhuma conclusão porque eu mesma ainda não cheguei a nenhuma conclusão sobre o que fazer com toda essa merda que eu despejei aqui.

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