22.4.09

Ela e o Mundo

Ela tem a petulância de quem acha que é dono do mundo. A vida dela pode até pertencer aos vizinhos e colegas de trabalho, mas o mundo é dela. E cada canto dele tem guardado um segredo que só a curiosidade dela vai conseguir escarafunchar e só a imaginação dela vai conseguir idealizar.

Ela tem a leveza de quem acredita que sonhos foram feios para ser realizados, a inocência de quem confia que o mundo pode muda, e o sorriso de quem conhece todos os segredos e pode revelar, a qualquer momento, que isso não é só fé. É verdade.

Ela tem fome de um gosto que ela não ainda não conhece, mas que ela quer enfiar inteiro na boca, tudo de uma vez, mesmo que seja para gargalhar da situação depois de cuspir tudo.

Ela tem a desenvoltura de quem não tem medo de transformar a vida em piada e o escracho de quem sabe rir de si mesmo.

Ela tem um desapego que alguns desavisados podem julgar indiferença, e que às vezes beira o despeito, mas que vira e mexe se desapega dela e deixa tudo em volta com cheiro de saudade.

Ela tem o mundo dentro dela, cheio de pontes e ruas sem saída, becos escuros, oceanos e humanidades. E de quem mais é o mundo senão de alguém assim?

15.4.09

O mundo como ele é

O pensamento segue a seguinte lógica: Quando uma coisa é minha, é minha e de mais ninguém. Quando é de todo mundo, eu aproveito, afinal, o direito é de todo mundo. Mas na hora de cuidar, a responsabilidade não é minha. Se a coisa não é só minha, a responsabilidade também não é. E ficamos assim. Simples assim. Na merda.

13.4.09

Nada como um dia de chuva

Adoro dia de chuva. Aquele cinza que me permite entrar em mim mesma e tomar conhecimento de toda minha dor e ao mesmo tempo de toda a minha beleza, silencia o resto do mundo e torna mais verdadeiros meus sentimentos.

Não preciso sair na chuva e abrir meus braços para sentir as gotas lavando a minha alma. Só olhar pela janela já é suficiente para me fazer rever momentos e sentir novamente, com a mesma intensidade, ou talvez até mais, o mesmo frio na barriga, o mesmo ar gelado inflando o peito. E então marejar meus olhos e mudar o contorno de minha boca num leve sorriso, quase imperceptível, porque em dia de chuva até o que é triste faz sorrir. Combina.

Da janela vejo o chão molhado formar um espelho gigante, com seus chicletes grudados, uns já pretos de tão antigos, que, como minhas culpas, nunca vão sair dali, e várias folhas pisadas como os sonhos que atropelei.

O som das gotas no vidro me hipnotiza e me faz querer ficar ali para sempre, olhando o dia cada vez mais cinza, sem saber se é porque anoitece ou se é a chuva me dizendo que não tem pressa.

Olhar a água fina tomando conta de todo espaço que não é cidade me dá frio. Mais que aquecida, acabo me sentindo amada pela manta que abraço, mas não com aquele amor que conforta. É um amor daquele que joga na minha cara tudo que eu já fiz, não fiz, já fui e nunca vou ser, para depois poder cobrar a felicidade. E a chuva açoitando a janela é a trilha de toda essa cobrança.

É por causa dessa tristeza que eu adoro dia de chuva, porque é nessa tristeza que encontro comigo mesma e me renovo. Porque essa tristeza fria que pinga do céu me tira da alegria letárgica do dia-a-dia, aquela que a gente nem percebe e que anestesia, para deixar tudo mais intenso.

No cinza dos dias de chuva, as outras cores têm mais força e os sentimentos, mais sinceridade. No frio dos dias de chuva, minhas lágrimas são mais quentes, meus abraços, mais fortes. Nos dias de chuva, eu me entrego à minha solidão e me basto.

6.4.09

Antes e Depois

Dizem que antes, um uísque. Depois, um cigarro.

Eu sei que antes é expectativa. Depois é a verdade.

Antes de pedir um beijo, você é linda, inteligente, culta e escreve bem. Depois de receber um não, você se acha e eu vou mostrar que eu posso muito mais do que você.

Antes da crise, vamos selecionar nossos clientes e atender só os grandes, que deem visibilidade à empresa. Depois da crise, vamos atender qualquer um que pague qualquer coisa.

Antes de conhecer os motivos e a história, um julgamento duro e cruel. Depois, a culpa.

Antes de pedir um favor, simpatia, elogios, voz mansa e agradável, brincadeirinhas. Depois de tudo feito, desprezo.

Antes do sim, quando é que vocês vão casar? Depois do sim, quando é que vocês vão ter filhos?

Antes de trair a dieta, uma vontade tão grande que não dá pra aguentar e só um pouquinho não vai ter problema. Depois de cair de boca no mundo, a sensação de fracasso.

Antes de perceber a má intenção, inocência. Depois, burrice.

Antes do sábado, o estresse do trabalho. Depois do domingo, o cansaço das baladas, churrascos e bebedeiras.

Antes de pagar as contas, azul. Depois, vermelho.

Antes de escrever este texto, um monte de coisas entaladas na garganta. Depois do ponto final, saber que nada vai mudar.

1.4.09

Tédio

Ando entediada. Entediada com minha barriga enorme e mole, com a vontade de comer que não passa, com o estômago que sucumbe à tentação e com a consciência que não perdoa o deslize, me lembrando toda hora da geleia com umbigo que eu carrego na cintura.

O problema é que não é só isso. As pessoas, o trabalho, a louça na pia, não saber o que fazer no jantar, as contas, o todo dia, tudo me entedia. E essa é a melhor desculpa para enfiar qualquer coisa goela abaixo e alimentar a geleia.

Só que, sabendo que isso é uma desculpa, eu deveria criar vergonha na cara e parar de comer. Mas eu não paro. Não paro porque alguma coisa tem que ser boa, e comida é bom. Além disso, não é a geleia que causa o tédio, e sim o tédio que me causa a geleia. E esse eu não sei de onde veio, só sei que ele já se instalou e não quer saber de sair.

Aí outro dia fiz um exame de sangue que mostrou uma alteraçãozinha. Um problema de tireóide que, entre outras coisas, causa aumento de peso e depressão.

Maravilha! Descobri de quem era a culpa de tudo e, como já tinha marcado o médico, podia me atirar de braços abertos à total falta de vontade da vida e aos pacotes de bolacha, para aumentar o problema que vou jogar nas mãos do médico.

E por alguns dias isso tirou da minha cabeça a preocupação com aquela falta de perspectiva e até me trouxe um pouquinho de felicidade. Mas só por alguns dias, porque o tédio é uma coisa engraçada, que deixa a gente sem vontade de nada, mas também não deixa a gente quieta.

O tédio veio me perguntar se eu acho realmente que todos os meus problemas vão acabar assim que o endocrinologista me examinar. E ainda jogou na minha cara que a receita dele não vai ser milagrosa. Depois ainda cavocou meu cérebro na tentativa de encontrar as suas raízes. E, não sei se você sabe, mas as raízes do tédio são todas pontos de interrogação: Será que eu consigo fazer essa receita que tem mais de 5 ingredientes? E a sujeira que ela vai fazer? E será mesmo que ninguém lê texto de propaganda? Quem vai ler um texto de remédio para porco? E um anúncio que tem uma imagem bonita? Mas, se ninguém lê, por que eu tenho que virar madrugadas escrevendo? E por que o aluguel é tão caro? Por que eu não jogo uma mochila nas costas e saio pelo mundo sem me preocupar com aluguel? E por que eu não arrumo um bebê? Será que vai dar tempo agora? E depois? E esse monte de não-sei que eu tenho que responder pra mim mesma me cansa e me deixa sem saber o que fazer.

Na verdade, eu até sei o que eu tenho que fazer, mas me falta coragem. Essas dúvidas são várias pás cavando um único buraco de onde fica cada vez mais difícil de sair, mesmo quando você vê a luz logo em cima da sua cabeça.

Até eu mesma me saboto. Todo dia acordo com um sonoro “welcome to your life” que eu escolhi para tocar no despertador. E antes que eu consiga afastar todos esses pensamentos da minha cabeça ensonada, já vem a irônica emenda “there’s no turning back”. E assim eu volto à geleia, ao trabalho, às contas, ao todo dia e aos não-seis.

E esse texto está ficando longo e não vai ter nenhuma conclusão porque eu mesma ainda não cheguei a nenhuma conclusão sobre o que fazer com toda essa merda que eu despejei aqui.