23.1.12

Entrelinhas

Enquanto ela falava, eu ficava ali pensando se ela sabia que eu sabia que era tudo mentira.
Não que eu não estivesse ouvindo. Eu estava. Cada palavra. E usando cada palavra para tentar desvendar esse mistério: será que ela sabia?

Eu sabia que tudo estava para terminar, nossa relação já estava desgastada. Eu já estava cansado de ceder e ela ainda não estava pronta para começar. Mas a questão não era o que eu sabia. Para mim tudo estava claro e, mesmo com o fim, tranquilo. Só essa curiosidade que ficava ali cutucando meu cérebro enquanto ela sorria um sorriso de satisfação.

Será que ela sabia que nós dois estávamos ali mentindo um para o outro? Não que fosse preciso, tudo já tinha terminado, não tinha mais volta. Se um dos dois quisesse, aquela era a hora de falar tudo que estava engasgado, de lavar roupa suja, de jogar na cara. Mas não foi assim. E eu podia até falar que era por respeito a tudo que a gente viveu junto, afinal, foram anos, mas o que existia entre a gente, nos últimos tempos, era pura aparência. Um suportava o outro enquanto ninguém achava um motivo minimamente justificável para por fim àquilo tudo.

Enquanto nenhum dos dois encontrava uma razão, ou não perdia a razão e terminava tudo, como os dois queriam, o que eles tinham se resumia a uma convivência tão pacífica quanto um acordo de cavalheiros do velho oeste, mas funcionava. Cada um fazia o que tinha que fazer e todo mundo em volta achava que estava tudo bem. Simples assim. E isso não é exatamente o que se pode chamar de respeito.

Mas, enfim, ela resolveu dar o primeiro passo. Honestamente, não sei se por medo, insegurança, ou se já tinha arrumado alguém para o meu lugar - o que, modéstia à parte, acho improvável. O fato é que ela resolveu dar cabo dessa relação que já estava aos trapos.  

Assim, como que numa inércia do que vinha sendo há alguns meses - talvez anos, quem sabe? - ela me disse adeus sorrindo. Ou será que não era inércia, e sim o primeiro sorriso sincero que eu recebia dela em muito tempo? Era essa a questão. Será que ela sabia que tudo aquilo era mentira? Será que ela sabia que EU sabia que era mentira?

Sei que ela andou dizendo poucas e boas por aí. Sei que colocou algumas palavras em minha boca. Sei que sua versão da história foi a mais contada e não me importei muito em mostrar a minha. O tempo se encarrega de mostrar a verdade, eu tenho paciência para esperar e não tenho medo do que pode ser revelado.

Ela sempre teve uma imagem impecável, daquela que todos querem ser quando crescer, mesmo os mais crescidos. E só com muito tempo e muito cuidado é que alguns percebem essa face que ela trabalha arduamente para esconder e, com sucesso, consegue, tenho que reconhecer. Eu, honestamente, ainda não sei dizer se esse lado obscuro tem consciência de sua existência e é assim por opção, ou se a insanidade é tão grande que ela criou um mundo paralelo a este e vive nos dois, sem saber distingui-los.

Se ela tem tanto trabalho para escolher cada palavra de cada um de seus discursos, eu só posso chegar à conclusão de que ela tem consciência, sim, desta sua faceta não tão louvável. Mas sua atuação é tão perfeita que me deixa em dúvida se é atuação realmente. Então penso que ela é assim mesmo e a única explicação plausível é a vida dupla que ela leva neste e naquele mundo imaginário que ela criou.

O fato é que, nas entrelinhas daquele sorriso final, minha pergunta vai ficar sem resposta: ela sabe que ela mesma está mentindo?   

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