25.6.13
A experiência
Quais verdades íntimas uma pessoa pode esconder e até onde ela iria para mantê-las protegidas?
Para fazer o experimento, o grupo de cientistas precisava escolher a dedo sua cobaia. Em tempos de auto-exposição desmedida, não podia ser alguém digitalmente recluso, senão ficaria impossível descobrir o que de fato era um segredo e o que era apenas resquício de uma pseudoprivacidade daquilo que não está disponível ao mundo, mas que pode ser amplamente discutido em qualquer salão de beleza.
Também não poderia ser alguém público nem famoso, que já tivesse a vida devassada pela mídia, paparazzi e fãs, pois essas são pessoas testadas ao limite continuamente, e que às vezes até se valem da nudez da própria alma.
Então eles escolheram o cara a dedo. O cara tinha perfil e era bem ativo em redes sociais, e, ao vivo, parecia gostar de conversar sobre os mais diversos assuntos, com opiniões e reflexões, mas nunca de forma contundente. Tinha um número razoável de amigos e dificilmente entrava em conflitos. Parecia sempre se desculpar ou se omitir quando discordava do que era tratado. Isso aparentava um imenso potencial de segredos guardados. Quem faz tanta questão de estar bem com todo mundo? Por quê? E o que ele varria pra debaixo do tapete quando omitia seu ponto de vista destoante? O cara era a cobaia perfeita!
Começaram o experimento como manda a cartilha: ficaram amigos do cara. Forçaram uma intimidade a que ele cedeu sem muitas restrições, porque simplesmente não via maldade em ninguém. Era contra seus princípios desconfiar de alguém que nunca tenha dado motivos. E, como amigos, eles perguntaram tudo que podiam pro cara, em tom de curiosidade, embebedaram o cara e falaram dos assuntos mais cabeludos durante sua embiraguez, pediram conselhos, afinal, todos damos conselhos baseados em nossas próprias experiências. Falaram de esporte, de ideologias, de política, de religião, de briga de bar, de trabalho, de mulheres, de projetos, de conhecimento, de vitórias e de derrotas. Mas tudo que conseguiram foi um detalhe ou outro do que eles já sabiam, do que o cara falava e do que eles viam o cara viver.
O time de cientistas, em princípio, formado apenas por homens, já estava desanimado quando uma bela estudiosa do comportamento humano entrou para a equipe e se dispôs a interagir mais intimamente com a cobaia. Munida de todos os aparatos para garantir seu sucesso, ela deu início a um relacionamento com o cara. Falou com ele de amor, de família, de educação, de infância, de relacionamentos antigos, do futuro, de filhos, de filmes, de essência, de desejo, de sabedoria, da vida. Ela aproveitou de todos os momentos particulares, carinhosos e até viscerais para tentar descobrir qualquer segredo, fosse um medo, fosse uma vergonha, fosse uma tara. Qualquer coisa escondida ali entre um instinto e o alicerce de sua formação. Nada. Ela já havia estudado o caso antes de iniciar o contato com o cara, e ele fazia absolutamente tudo exatamente como ela esperava, de acordo com o que havia analisado antes de ir a campo, e isso significava que a experiência estava fracassando, afinal, o objetivo era descobrir o que não era possível saber só à base de observação.
Então, num ímpeto desesperado para salvar seu experimento e seu orgulho, a equipe de cientistas usou seu último recurso: o grande amor mal resolvido do cara.
Enfiaram dedos com unhas compridas em suas feridas para depois oferecer a chance de consertar o que quer que tenha ficado no ar, desfilaram as melhores e as piores lembranças, desenterraram palavras, cheiros, sensações, testaram toda a sua raiva e tentaram todo o seu desejo. Mas a cobaia continuava se comportando dentro do padrão, sem revelar absolutamente nada de novo.
Os cientistas finalmente chegaram à conclusão de que aquele era o cara errado. Ele certamente vivia de acordo com o que pensava e sentia. E foram embora.
O cara, por sua vez, que até então pensava e sentia de acordo com o que vivia, experimentava agora a sensação de não ter vida suficiente para tudo que havia dentro dele.
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