1.7.13

Lembra?



Fala pra mim que você estava naquele café, noite passada. Eu sei que você estava, mas quero ouvir sua voz confirmando, lembrando tudo.

Você me ligou no fim da tarde, eu estava de pijama, disse que estava indo me encontrar onde combinamos e eu ri, porque quando combinamos achei que era só de brincadeira. Mas você estava indo de verdade até o café, eu podia ouvir o trânsito passando pelo seu telefone.

Isso você não sabe, não pode confirmar, mas eu senti uma mistura de medo e alegria porque estávamos prestes a nos encontrar. Tanta coisa pra falar, tanta ansiedade, que eu não lembro como cheguei ali. Aliás, não consigo lembrar de ter ido àquele café antes, apesar de a dona ter me recebido bem e ter conversado comigo como se já nos conhecêssmos há anos. Quem escolheu aquele lugar? Não tem a sua cara, tem a minha, mas realmente não consigo lembrar de já ter estado ali nem de onde ele fica. Quero voltar lá qualquer hora dessas.

Desculpe, preciso pedir uma coisa chata... fala de novo pra mim tudo que você disse ali na mesa, enquanto eu tomava aquele chocolate quente? Eu lembro que a gente ficou se olhando, lembro de você falar e de ouvir sua voz, lembro do som do lugar, estava tocando uma baladinha bem leve, lembro da chuva batendo na janela e do fim da tarde virando noite enquanto a gente estava ali. Lembro que do lado de fora estava frio, mas ali dentro estava bem quente. Engraçado, parecia até um outro país. Lembro que o cheiro era delicioso! Mas não consigo lembrar de uma só frase que você disse.

Por favor, não pense que seja falta de atenção ou de interesse. Não! Acho que eu fiquei anestesiada com todo aquele ambiente aconchegante e por estar com você. Veja bem, eu estava em casa, de pijama, esperando minha mãe chamar para o jantar. Como eu ia imaginar que você ia querer me ver?

Enfim, fico tentando rememorar cada detalhe, cada sentimento, e tudo está muito vivo na minha cabeça, só o que você disse que me foge completamente à memória, e isso está me matando e curiosidade. E isso é estranho, porque eu sempre sei o que você disse, mesmo quando estava em silêncio. Como posso não ter gravado nenhuma palavra? Não faz sentido!

Aliás, pensando racionalmente, não faz sentido você me procurar e querer conversar comigo, num fim de tarde, num café. E não faz absolutamente nenhum sentido o cara que trabalha comigo aparecer de repente e sentar na nossa mesa. Vocês nem se conhecem!

A menos que eu estivesse sonhando... mas não. Eu fui àquele café, eu tomei aquele chocolate quente cremoso olhando nos seus olhos enquanto a chuva batia na janela aumentando o frio lá de fora e deixando o calor lá de dentro mais confortável. Eu senti o timbre da sua voz no meu ouvido, não importa que eu não lembre de nenhuma palavra, eu sei que elas foram ditas. E sei que foi uma conversa boa, porque nós dois sorríamos. Nao foi? Você também lembra? Você também gostou de me ver?

Eu estava sonhando? Não, eu me recuso a acreditar que eu estava sonhando. Mesmo com as falhas de memória e de sentido, tudo aquilo aconteceu. Não aconteceu? Você não me ligou? Não sorriu pra mim? Não gosta de mim ainda? Foi tudo vivo demais pra ter sido sonho. A menos que você tenha sonhado tudo isso também. Você sonhou?

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