14.7.08

Só mais um dia

O dia começou cedo, às 4h37, quando ela acordou pensando naquele trabalho que não tinha conseguido terminar no dia anterior, mesmo tendo ficado no escritório até depois da meia noite. E o pior é que as 3 últimas semanas tinham sido assim.

Era tanta coisa que ela nem se lembrava mais do que tinha passado por suas mãos. Só se lembrava do café horroroso, coado logo cedo e deixado naquela garrafa térmica gigante o dia inteiro, e que ela tomava aos copos, o dia todo, entre as reclamações do estômago que já não agüentava mais.

E ela pensava que precisava dormir porque quando acordasse teria que terminar aquele trabalho interminável, e quanto mais ela pensava que precisava dormir mais o trabalho crescia. E conforme o trabalho crescia, aumentava a dor de estômago só de pensar que, sem dormir direito, ela teria que se valer daquele café horrível de novo, o dia inteiro de novo. E a cama começava a fica pequena, e os carros na rua já faziam muito barulho. E por um momento uma questão quase filosófica afastou o trabalho de sua cabeça: Carros na rua? Às 5h da manhã? Pelo amor de Deus, quem anda de carro às 5 da manhã no meio da semana? E nessa hora ela pensa: “Ainda bem que eu só entro às 8h. E ainda tenho sábado e domingo de folga.” E é esse pensamento que a embala para suas últimas duas horinhas de sono daquela noite.

Quando o despertador toca, o primeiro sentimento do dia é a raiva. Raiva por não ter dormido durante todo aquele tempo no meio da noite em que ficou, improdutivamente, pensando em tudo que ela tinha que fazer agora que queria dormir mais. E depois da raiva um suspiro a empurra pra fora da cama, e ela quase rasteja até o banheiro pensado-se a mais completa e resignada idiota do mundo.

E, apesar de o dia se arrastar, o relógio parece acelerar, e com cafés e suspiros, e até algumas boas idéias, ela oscila entre o sorriso de quem acabou de ler um livro de auto-ajuda e aquele outro sorriso de quem descobre que o segredo da vida é simplesmente a desilusão. E um outro sorriso ainda aparece em seu rosto quando ela pensa que engraçado seria se ela se levantasse e fosse embora, assim, sem dizer uma palavra. Esse sorriso se alarga quando ela percebe o poder que tem. Quando nota que ela, sim, é que está acima disso tudo por perceber que tudo isso a sua volta é superficial, que o que vale mesmo é o que ela pensa, o que sabe, o que leva dentro de si. E o que tem dentro de si é muito maior do que aquilo que as pessoas comuns vêem, do que o que as outras pessoas desejam. Nossa, como ela é maior que tudo isso!

Triunfante com sua aguçada percepção, ela se levanta a vai pegar mais um café para continuar o seu trabalho. Trabalho que parece simples, mas só aos olhos de quem é leigo, que não percebe as sutilezas do dia-a-dia, o refinamento que ela empresta às coisas banais, a delicadeza com que compõe cada traço. E assim passa a desenhar seus próximos traços, porque seu trabalho é muito mais que um simples trabalho. É quase uma arte. E mais arte ainda porque não é simplesmente deixar fluir a inspiração, é fazer tudo que ela sabe dentro dos prazos, de acordo com os pedidos.

E é exatamente isso que ela vai fazer mais uma vez até de madrugada, tomando café, antes de ir dormir e acordar pensando em tudo que vai ter que fazer no dia seguinte de novo: um trabalho que ela desenvolve como ninguém, e, no fim das contas, ela sabe, para ninguém.

Um comentário:

Anônimo disse...

Nossa, parece que eu já passei por isso antes rsrss muitas vezes... e haja café.

Gostei do blog e passarei aqui mais vezes.
bjs