4.7.13

Misantropia


Ela era muito nova quando descobriu que a convivência com outras pessoas era tão dispensável quanto irritante. Extremamente irritante. Mas demorou muito para realmente abrir mão da tortura social.

Criada à base de uma educação rigorosa, desde menina foi praticamente doutrinada a sorrir e jamais, sob hipótese alguma, gerar qualquer desconforto para quem quer que estivesse conversando com ela, ainda que isso significasse sua mais profunda resignação. Mesmo na adolescência, fase das contestações e rebeldia, a omitir seu sorriso costumeiro era o mais ousado que se permitia tentar.

Emanando uma calmaria quase monótona, ela era a própria imagem da palermice, onde os covardes podem treinar seus ímpetos de valentia sem medo de ter que recuar, onde os maldosos costumam extravasar seu azedume, e onde os grandes e os bons vêm apenas a graça de ingenuidade. Por outro lado, pelo lado de dentro, ela era o caos.

Havia paixão em sua alma. Ela era apaixonada por ideias, por ideais, e também pela própria raiva e insatisfação que sentia com o mundo. Era apaixonada por aquele universo interno onde a ironia e o sarcasmo tinham passe livre, onde discordar era atividade corriqueira e sua verborragia silenciosa beirava a obcenidade. E conforme os anos se passavam e os fracos a espizinhavam, os maus abusavam do seu limite e os fortes e os bons sorriam complascentes supondo sua ignorância, ela se apegava cada vez mais àquela desordem, alimentava aquele tumulto íntimo e se satisfazia. E mais ainda ela se impressionava com a crescente ausência de bom senso das pessoas, e mais se deixava irritar com faltas cada vez menores, e mais ela silenciava e se forçava a sorrir, acumulando amargura. Ela não sabia fazer de outro jeito.
Depois de uma vida inteira entre a tentativa de sobreviver ao caos e a mansidão a que se impunha, depois de velha e calejada, certa de que o mundo e as pessoas seriam sempre iguais, se não cada vez piores, ela decidiu se presentear com a renúncia ao ser humano. Restringiu todo seu contato com outras pessoas ao mínimo necessário para sua sobrevivência, para então poder se entregar àquele mundo de pensamentos onde realmente se sentia à vontade, onde ela encontrava sua plenitude.

O que ela não sabia é que era aquele inferno mundano que alimentava seu paraíso particular. Ela tinha passado sua vida inteira construindo aquele lugar à base de insatisfação não declarada, de conformidade infligida e de desejos, de todas as espécies, reprimidos. Agora, completamente livre de toda agonia que era viver em sociedade, ela não podia nem sentir sua mente esvaziando, seu espírito murchando. E já não se reconhecia mais.

Nenhum comentário: